Já reparou como existem novos compositores a cada dia criando músicas, escrevendo letras, gravando CDs, buscando lugar ao sol em plena praia badalada no verão? Nos últimos anos vimos a multiplicação de artistas evangélicos, das produções sem a devida qualidade musical, da conseqüente crise dos estúdios de gravação. Um amigo meu, dono de um estúdio maravilhoso em Belo Horizonte disse que há dez anos atrás seu estúdio era ocupado de manhã, de tarde e de noite. Vivia cheio de gente. Os crentes eram os que mais alugavam para ensaios e gravações. Hoje em dia todo mundo quer gravar em casa mesmo, no computador, com uma plaquinha de som mais ou menos, a abundância de repertório disponível.
Este boom fonográfico tem ocasionado sérios problemas no repertório cristão: a superficialidade e o erro teológico nas letras, além da falta de reflexão acerca da impressão que as músicas causam por causa do estilo, bem como acerca da coerência entre a impressão e a expressão (a mensagem). A “impressão” tem a ver com o sentimento que a música comunica ou a atmosfera que ela gera, só pelo instrumental. Por exemplo, se você ouvir uma música, mesmo sem a letra, também poderá dizer se ela é alegre, triste, misteriosa, etc. Já a expressão tem a ver com o texto que ela subsidia. Então os compositores deveriam pensar se há coerência entre a letra (expressão) e a música em si (impressão). Isso, quando levado em conta na hora de escolher a música que será cantada no culto, favorece uma adoração apropriada sendo a música um meio.
Mas ainda quanto à “expressão”, o problema é quando a letra diz algo que não tem amparo na Bíblia. Os compositores e defensores das músicas ruins e fraquinhas de mensagem bíblica dizem que se trata de “liberdade poética”. Então eu poderia cantar na igreja “como Zaqueu, eu vou subir o mais alto que eu puder e chamar tua atenção”, embora, no texto de Lucas 19.1-10 nada disso tenha ocorrido no caso do baixinho cobrador de impostos, que, curioso para ver Jesus, subiu no sicômoro. Aliás, não foi Zaqueu quem chamou a atenção de Jesus, mas este tomou a iniciativa e, pelo contrário do que diz a letra da música, chamou a atenção de Zaqueu, pronunciando seu nome e se convidando para almoçar em sua casa (porque um publicano não poderia jamais convidar um judeu para comer em sua casa, pois não fazia parte da comunhão na sinagoga). O final do texto mostra claramente que não depende do pecador chamar a atenção de Deus. Antes, é Deus quem toma a iniciativa para salvar graciosamente o pecador: “porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido”. Em suma, cantam, ensinam e repetem a música, mesmo com seus erros doutrinários, porque, afinal, é a liberdade poética.
Quero fazer uma consideração sobre a "Liberdade Poética". Esta liberdade tem sido alvo de apelos quando algo da letra é questionado. Veja bem, a liberdade poética sugere que o poeta é livre para não seguir determinadas regras gramaticais. É o caso da música que diz: "inútel, a gente somos inútel", do Roger (Ultraje a Rigor). No entanto, existem limites entre a liberdade e a coerência. Posso ser livre para escrever o que eu quiser, mas precisa ter coerência ou fazer algum sentido. Quando escrevemos poemas sobre o conteúdo bíblico, a liberdade poética se torna serva da Escritura Sagrada. Então podemos escrever com liberdade para nos expressar com os recursos da poética da língua portuguesa, mas com submissão total às Escrituras Sagradas.
Para encerrar esta breve reflexão, pensemos no que devemos fazer então com a liberdade poética na hora compor ou de escolher o repertório do culto ou da vida. Podemos e devemos usar de todos os recursos que a poética da língua portuguesa nos oferece: a metáfora (dizer uma coisa em outros termos aproveitando a associação de semelhança de idéias), o paradoxo (aparente contradição), a zeugma (elipse do verbo), etc. Precisamos ser criativos na hora de escrever e exigentes na hora de ler. Valorize a boa poesia. Isso estimulará os poetas a escreverem melhor. Submeta sempre a liberdade poética à autoridade da Escritura. Se as explicações em demasia são necessárias antes da música, então ela não é apropriada. A letra deveria expressar claramente a verdade da palavra de Deus. Assim, que a liberdade poética não seja uma falácia para comunicar o erro, mas uma ferramenta para que a nossa poesia seja verdadeira e criativa.
Pr. Charles
26 comentários:
Charles "Shampoo",
Que texto maravilhoso, meu velho. Vou mandar para um monte de gente.
Ele soou para mim como verdadeira poesia ;)
Obrigado, Samuel!
Ler isso escrito por você é uma honra para mim, pois você é um verdadeiro poeta!
Abraço!
A expressão, ok. E a impressão?
depende de algum critério bíblico? (Mesmo tendo uma resposta bíblica sobre isso gostaria de ouvir um ponto de vista diferente.)
ps.: depois eu faço um outro comentário... rs.
Forte abraço.
Sim. A impressão que a música vai causar tem de estar em sintonia com o propósito. Por exemplo, se o meu propósito é cultuar, então preciso observar os princípios bíblicos de adoração e escolher o repertório que melhor proporcione a prática dos princípios. A Bíblia fala de adoração em espírito e em verdade (Jo 4.24), com reverência e santo temor (Hb 12.28 e 29), com decência e ordem (1Co 14.40, 2Cr 7.6), com sinceridade (Ef 5.19), com alegria (Sl 100.1,2). Quais são as músicas que melhor se harmonizam com esses princípios? São as que deveriam ser escolhidas.
Abraço!
Lucas,
Se o propósito é uma festa, então a impressão fica mais livre de parâmetros, desde que expressem a alegria da festa. Uma festa cristã, obviamente, expressará a alegria verdadeira e não sensual, dentro da expressão da verdade.
Abraço!
Para os leitores do blog, sugiro as músicas de Carlos Sider, Gerson e Andreia, Diego Venâncio, Charles Melo, Idail Martins, as antigas de VPC (não tem muitas novas!), Grupo Veredas (BH), Stênio Marcius e Silvestre. Estes últimos sabem muito bem como usar a poesia sem ferir as Escrituras. O CD de cânticos da IPB, Povo da Aliança, também é muito bom!
Ah, tem CD novo saindo: "Belo Horizonte" de Idail e Charles. Só posso dizer que está ficando lindo!!
Olha eu... usando o blog para fazer propaganda!!
Bom dia Pr. Charles,
Gostaria de sua autorização para poder publicar este post no meu blog.
Grato,
Daniel
Grande Charles!
Excelente post. Se a produção musical evangélica brasileira também passar pelo crivo das Escrituras deixará de produzir mantras gospel e outras tragédias musicais em nome de uma falsa liberdade poética.
Abraço
Perfeito. Concordo e coaduno com esse posicionamento.
" A ocasião faz a expressão"
Concordo com o seu artigo, pr. Charles. Muito bom!
Charles,
Seu texto vem numa hora importantíssima..
Primeiro porque é necessário esclarecer e orientar aqueles que tem composto e aqueles que trazem as composições para serem cantadas no culto ao Senhor. A igreja deve zelar para que a sua expressão de louvor musical seja também uma adoração em verdade.
Segundo porque estava procurando um texto seu para publicar no boletim aqui da igreja, visto que domingo teremos o privilégio de ouví-lo.. rs
Que o Senhor continue a sustentar sua vida.
grande abraço e até amanhã.
Olá Charles,
Excelente post!
Sou pastor da Igreja Presbiteriana Filadélfia, em Marabá e amigo do Samuel Vitalino. Tenho grande interesse em trazê-lo à nossa igreja, a fim de realizarmos em 2011 a mesma atividade que aconteceu em Teresina no ano passado. Você poderia me passar um contato?
Um abraço!
alanrenne@hotmail.com
Li, Obrigado pela propaganda! Eu sou mesmo suspeito para falar do CD "Belo Horizonte". Suas sugestões são maravilhosas. Creio que só faltaram o Jorge Camargo e o João Alexandre.
Beijo!
Daniel,
Pode postar sim no seu blog. Fica à vontade!
Abraço!
Lucas,
Gostei dessa frase: "a ocasião faz a expressão"! Pode ser "impressão" também que dá certinho.
Abraço!
Alan,
Essa é a nossa luta. Parece tão óbvio, mas é tão difícil!
Abraço!
Isabelle,
Obrigado pela força. Que bom saber que tem muita gente aí que entrou nessa luta em prol da boa música com arte e júbilo (Sl 33.3).
Abraço!
Milton,
Obrigado pela palavra de incentivo. Esqueci de perguntar se vocês usam terno na sua igreja (eheh).
Abraço!
Alan Rennê,
Será um prazer, ainda mais se vocês me empaturrarem de comida boa como o pessoal de Teresina o fez (rs). Brincadeiras à parte, entre em contato comigo no e-mail charles@ipb.org.br
Abraço!
É sempre bom perceber como as Escrituras se aplicam a todas as áreas de nossa vida! Obrigado pelo seu empenho nessa importante missão! E que bela é a poesia do texto bíblico escolhido, não? (Sl 45.1) :-)
Fica com Deus, Pr Charles!
Pr. Charles Melo
Excelente texto!
Infelizmente, a secularização tem ganhado cada vez mais espaço nas igrejas. Mas, pela fidelidade e misericórdia do Senhor, é Ele mesmo quem fornece meios para os Seus filhos perseverarem na verdadeira fé, mediante a sã doutrina das Escrituras.
Rogo que o Senhor continue a usá-lo para Sua glória!
Abraços da IPB Poá
Tiago,
Obrigado pela força! De fato, nossa poesia tem que ser como nos versículo que você gostou: bela e verdadeira!
Abraço!
Carol,
Obrigado pelo encorajamento! De fato, temos todos os meios para não cair nas falácias em tempos de avanço da secularização. Sigamos firmes na Palavra!
Abraço!
A pena agora ficou mais bonitinha, Charles :)
Samuca,
Depois de lutar com a antiga pena, ela sumiu de repente. Então fui obrigado a achar outra.
Bom dia, pastor Charles!
Tomei a liberdade de postar seu texto no facebook. Aproveitei pra divulgar o blog, que é maravilhoso!
Tem sido muito edificante pra mim.
Abraços!
Alanna
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